Em período de quarentena, em que tantas celebrações foram adiadas ou canceladas, o Dia Mundial da Água, assinalado anualmente a 22 de março, não foi exceção. Não foi propriamente cancelado mas foi sem dúvida negligenciado e sinto que é minha obrigação, enquanto geólogo, contribuir para que este dia seja reforçado.
É fácil, em tempos de COVID-19 esquecer que existem outros problemas de saúde, em particular de saúde pública. Torna-se importante recordar os avanços notáveis que alcançamos enquanto sociedade em relação ao combate a doenças transmitidas pela água.
Ocorreu em 1854, em Londres, na Broad Street (atualmente Broadwick Street) na zona do Soho, um surto de cólera que causou a morte de aproximadamente 600 pessoas. Esta era na altura uma zona pobre, com condições de higiene públicas muito pouco recomendáveis.
O médico inglês John Snow recolheu informação acerca do número de cidadãos infetados, dos óbitos e respetiva localização. Projetou essa informação numa planta da cidade e, suspeitando que a cólera é uma doença transmitida pela água, concluiu que a origem deste surto era uma fonte pública de abastecimento de água. Uma fonte de água cristalina.
Esta história exemplifica bem os desafios que se colocavam, no século XIX, à saúde pública não só em Inglaterra como no resto da Europa. A importância que uma adequada distribuição de água potável tem para a saúde de uma população.
Mas este avanço civilizacional, que temos no mundo ocidental, e que damos por garantido, não está ainda ao alcance de todas as nações.
Há ainda um significativo número de doenças que, mesmo podendo ser prevenidas com recurso a boas práticas sanitárias e de higienização, continuam a ceifar vidas. É o caso das doenças diarreicas agudas que, tendo como causa o consumo de água contaminada, é responsável, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), pela morte anual de 502.000 pessoas.
Algumas das medidas preventivas básicas que devem ser postas em prática são as mesmas indicadas para combater o COVID-19: (1) educação para a saúde com informação sobre como a infeção se alastra, (2) boa higiene pessoal e da nossa alimentação, (3) melhorar as condições de higiene dos espaços e, a mais importante de todas, exclusivamente relacionada com as doenças transmitidas pela água, (4) acesso a uma origem de água potável.

John Snow
De acordo com a OMS, em 2015, 71 % da população tinha acesso a um serviço de captação e distribuição de água potável; 884 milhões não tinham acesso a um serviço básico de distribuição de água potável e 263 milhões de pessoas demoravam cerca de 30 minutos para obter água potável.
Desde o século XIX muito se tem evoluído mas, em pleno século XXI, muito falta ainda fazer em matéria de saúde pública particularmente na que está relacionada com as condições de captação e distribuição de água.
Quero aqui reforçar a importância das medidas relacionadas com a proteção e prevenção das origens da água, sejam subterrâneas ou superficiais. É muito mais fácil e barato prevenir a contaminação destas fontes de água do que proceder à sua descontaminação.
Nestas, como em tantas outras questões, o povo é sábio e tem as palavras corretas para cada ocasião, “mais vale prevenir que remediar”.
Saudações geológicas
Nota: Este artigo é uma versão de um artigo originalmente publicado no Correio do Minho
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